quinta-feira, 23 de maio de 2013

Maravilhas do Mundo Prog: Emerson, Lake & Palmer - Pictures at an Exhibition [1971]


Seguindo nosso percurso pelas Maravilhas Prog criadas pelo trio britânico Emerson, Lake & Palmer, continuamos no ano de 1971. Após o lançamento de Tarkus, o grupo partiu para uma bem-sucedida turnê, vendo seu segundo álbum figurar entre os dez mais das paradas britânicas por mais de quatro meses.

A turnê era baseada basicamente nas suítes de Emerson, Lake & Palmer e Tarkus, mas também apresentava aquela que foi a primeira canção "composta" pelo grupo, e que na verdade, era uma adaptação para uma obra clássica seminal do russo Modest Mussorgsky: a incrível Pictures at an Exhibition.

Lembro que da primeira vez que ouvi falar de Keith Emerson (teclados, piano, sintetizador, moog, harpsichord), Greg Lake (baixo, guitarras, violão, voz) e Carl Palmer (bateria, percussão), a manchete do jornal Zero Hora de julhode 1992 dizia: Três que valem por uma Orquestra.

Naquela época, eu já gostava de rock progressivo, e também possuía simpatia pela música clássica, mas ficava imaginando como seria três músicos que fizessem toda a orquestração de uma canção. Imaginações infantis me levavam a pensar em homens com quatro, cinco braços, gastando todas as suas energias e mostrando todas as suas qualidades para tocar diversos instrumentos ao mesmo tempo. Porém, apesar das imaginações serem absurdas na realidade, o que esse trio fazia no palco era equivalente aos meus sonhos visionários e imaginativos, e constatei isso pouco tempo depois, quando ouvi a suíte "Pictures at an Exhibition", peça exclusiva que ocupa os dois lados do LP homônimo, de 1971.

Viktor Hartmann, o homenageado na versão original
da Maravilha Prog dessa semana
A versão do trio é uma adaptação fantástica (superada apenas, na minha modesta opinião, pela adaptação para um (!) violão feita pelo violonista japonês Kazuhito Yamashta em 1980, que você pode conferir aqui e aqui, em um show do japonês no Canadá, em 1984, e que foi esplendidamente interpretada pelo violonista ucraniano Marko Topchii) para a suíte original de dez movimentos, criada para o piano por Modest Mussorgsky no ano de 1874. Na suíte original, o pianista que se atreva a tocá-la coloca a prova todo o seu virtuosismo, e claro, fazendo as honras da casa de forma perfeita, arranca os glóbulos de quem o assiste, pois realmente, a peça é muito complicada.


A história da canção é uma homenagem de Mussorgsky para o arquiteto russo Viktor Hartmann. Ambos conheceram-se em 1870, e criaram uma amizade muito forte, que serviu como um elo para unir forças dentro da arte russa, promovendo os talentos daquele país para o resto do mundo. Porém, em 1873, Hartmann faleceu repentinamente, aos 39 anos, vítima de um aneurisma. Sua morte chocou toda a comunidade artística russa, principalmente Mussorgsky, que ficou inconsolável com a perda do amigo.

Como forma de prestar um último adeus para Viktor, o jornalista Vladimir Stasov resolveu fazer uma exposição com algumas das principais obras do artista. Assim, arrecadou mais de 400 peças criadas por Viktor, algumas doadas por Mussorgsky, que prontamente foi assistir a exposição realizada no Academy of Fine Arts de Saint Petersburg.
Modest Mussorgsky
Mussorgsky saiu tão emocionado da exposição, que acabou decidindo compor uma canção em homenagem a Hartmann. Em seis semanas, estava pronta "Pictures at an Exhibition", composta por dez movimentos que vão encaixando-se como engrenagens, formando uma máquina de Carnot (ou seja, trabalhando na mais pura perfeição).

O compositor russo criou um passeio imaginário pela exposição, circulando por algumas das principais obras de seu amigo. Inspirado pelas cores e tonalidades dos quadros da exposição, o passeio desenvolve-se através de caminhos ("Promenades") que levam de um quadro a outro, e para cada quadro, criou figuras sonoras que interpretam através de notas e acordes, as sensações e percepções quando o visitante coloca-se diante de cada quadro. Uma bela viagem, que por que não, é um dos embriões do que depois tornou-se o rock progressivo.

Pois foi uma banda de rock progressivo que fez de "Pictures at an Exhibition" seu carro-chefe para mostrar-se ao mundo. O ELP passou vários dias ensaiando e arranjando os movimentos originais, readaptando-os para uma sonoridade mais próxima ao do início dos anos 70, permitindo-se inclusive adicionar uma letra para a história. O projeto de interpretar "Pictures at an Exhibition" era um longo sonho de Emerson. Desde os tempos de The Nice, o tecladista enamorava por fazer uma apresentação solo ao piano com essa suíte. Porém, aproveitando-se da genialidade e da versatilidade de Lake e Palmer, foi nesse ponto que conseguiu construir uma versão sua, recheada com moogs, sintetizadores, órgão hammond entre outros apetrechos, e que entrou para a história do rock mundial.

Foi exatamente no segundo show do grupo que "Pictures at an Exhibition" foi apresentada pela primeira vez, o qual aconteceu durante o Isle of Wight Festival, em 1970. Apesar de ser uma versão enxuta, com apenas seis movimentos, foi um aperitivo e tanto (e também um grande holofote) para surpreender o mundo. Energética e muito virtuosa, "Pictures at an Exhibition" ocupou boa parte do show de pouco mais de uma hora apresentado pelo grupo, com Emerson e Palmer fazendo estripulias mil, e com o trio dando-se ao luxo de utilizar canhões para finalizar a suíte.


Keith Emerson (a esquerda);
Carl Palmer (acima, a direita) e Greg Lake (abaixo, a direita)
O comentário geral foi positivo, e "Pictures at an Exhibition" passou a fazer parte do set list do trio obrigatoriamente, e com a sequência de apresentações, a canção foi cada vez mais aplainada, até chegar em sua versão final, apresentada oficialmente em vinil no álbum Pictures at an Exhibition, de 1971.


Gravado ao vivo na data de 26 de março de 1971, no Newcastle City Hall (Newcastle, Inglaterra), o álbum traz única e exclusivamente toda a versão do ELP para a suíte de Mussorgsky, ocupando quase trinta e oito minutos do vinil. Essa versão possui onze movimentos, sendo oito deles adaptações dos movimentos da versão de Mussorgsky.

Seguindo fielmente a versão original, Emerson inicia "Promenade", tocando o órgão Harrison & Harrison instalado no topo do Newcastle City Hall, do qual ele desceu posteriormente para o palco através de uma plataforma móvel, enquanto Palmer executa um rufo, entrando em "The Gnome". Bateria e hammond fazem as malucas notas da canção, enquanto o baixo faz as intervenções. Os três instrumentos fazem a marcação central, retornando para as malucas notas, apenas com o hammond e a bateria, enquanto Lake faz as intervenções com o baixo, utilizando um wah-wah para criar efeitos interessantes.

O hammond então puxa os acordes que irão acompanhar o breve solo do sintetizador. Com um andamento cadenciado de baixo, bateria e hammond, o sintetizador surge timidamente, e este andamento toma conta das caixas de som, em um crescendo enigmático, para então, uma série de rufadas levarem as escalas menores de baixo, acompanhando mais uma passagem com o sintetizador em destaque. Chegamos em um viajante momento da canção, com Emerson criando os famosos "uiiiiiiiiiiiiiin" e outros barulhos eletrônicos através de seus sintetizadores e do Moog Modulado, ao mesmo tempo que  Palmer e Lake fazem o ligeiro ritmo ao fundo, o primeiro tocando os pratos enquanto o segundo insistindo na mesma nota. O órgão explode com longos acordes, enquanto o ritmo do baixo e da bateria aumenta o volume, com Palmer socando o bumbo, encerrando "The Gnome" com um rápido solo de hammond.

Voltamos então para "Promenade", tocada agora apenas pelo hammond, quase inaudível, deixando Lake ecoar sua voz (uma das mais lindas que o rock já ouviu) sozinho, interpretando a letra criada por ele. O órgão acompanha com leves notas, falando sobre . O moog valvulado ganha as atenções, fazendo o solo que nos leva para a linda "The Sage", através de uma longa nota do sintetizador.

Lake interpretando "The Sage"

"The Sage" é o momento solo de Lake, que acompanhado apenas pelo violão, faz sua voz estremecer as paredes do Newcastle Hall, seguindo um estilo folk muito belo. Após cantar duas estrofes, Lake demonstra seu lado virtuoso, fazendo uma bonita passagem com o violão clássico, mostrando que além de um grande vocalista e um bom baixista, ele também era um exímio músico com o violão. Para mim, este é o principal trecho da suíte recriada pelo ELP, e talvez o mais lindo na carreira do grupo. O trabalho de Lake é simplesmente incomum para os discos do grupo, e os minutos passam-se suavemente, trazendo novamente o vozeirão do violonista/vocalista, encerrando a última estrofe de "The Sage".


Depois desse lindo momento, Emerson e Palmer deliram com "The Old Castle", na qual o tecladista faz barbaridades e misérias com o clavinet, travando um duelo particular com Palmer, o qual agride o bumbo e as caixas. Depois dessa maluca sessão, Palmer puxa o ritmo marcado na caixa, com o baixo dançante de Lake fazendo a base para Emerson solar no moog.

Emerson, viajando em "The Old Castle"
A canção muda totalmente, virando um blues agitado chamado "Blues Variation", no qual Emerson diverte-se com o hammond, relembrando os velhos tempos de The Nice. A jam session continua, destacando a brilhante participação de Palmer, com uma marcação precisa mas sempre virtuosa, encerrando o lado A com barulhos diversos dos sintetizadores e batidas furiosas nos pratos.

Esses barulhos são a introdução de "Promenade", que abre o Lado B tocada imponente pelo hammond e tendo a marcação pegada de baixo e bateria, destacando novamente Palmer e suas rufadas, um trabalho genial!

A marcação do hammond e bateria repetem o tema central de "The Hut of Baba Yaga", com baixo e órgão repetindo as notas originais fielmente, e Palmer viajando com a bateria. O hammond faz o rápido solo central, e chegamos na viajante "The Curse of Baba Yaga", com Lake fazendo o solo da canção acompanhado por tímidas notas do órgão. O solo aqui é feito apenas com o baixo, o qual está carregado de distorção, e ainda recebe um tratamento de luxo do wah-wah. Depois, com o baixo "limpo", Lake puxa o ritmo, para Palmer soltar o braço em batidas e viradas nas caixas, pratos e tons, e o moog modulado fazer o solo principal, ora duelando com o baixo, ora viajando em um passeio próprio.

Repentinamente, a canção muda, retornando o tema central de "The Gnome", e com Lake cantando ferozmente, em gritos dilascerantes, ao mesmo tempo que Palmer comanda a loucura percussiva ao fundo, com diversas viradas e rufadas velozes. Emerson sola no clavinet, e a pancadaria come ao fundo, encerrando a letra com o mesmo clavinete sendo dominado por Emerson durante "The Hut of Baba Yaga", para uma magnífica sequência de notas de hammond, baixo e bateria nos levarem para "The Great Gates of Kiev".


Carl Palmer mandando ver em suas viradas

A velocidade absurda das viradas de Palmer são o principal destaque. Lake toca o baixo também muito veloz, com notas graves, e um longo acorde de hammond nos brinda com a doce voz de Lake, cantando as estrofes de "The Great Gates of Kiev" em um ritmo lento, diferente da loucura inicial, com o hammond repetindo a melodia original da versão de Mussorgsky.

O hammond fica sozinho, executando alguns acordes, retornando a melodia original e dando sequência para a letra. Mais uma vez o hammond fica sozinho, com pequenas mudanças de acordes. Timidamente, esses acordes passam a recriar o tema de "Promenade", com uma marcação de baixo e prato, explodindo em uma veloz rufada de Palmer, com o moog e o clavinet viajando alto, em barulhos absurdos, ao mesmo tempo que a plateia enlouquecida vibra com as estripulias de Emerson, retornando então ao hammond e a letra de "The Great Gates of Kiev", que é encerrada com as viradas de Palmer acompanhando as marcações de baixo e hammond. Lake grita absurdamente, concluindo "Pictures at an Exhibition" com a famosa frase "Death is life", seguido belos barulhos dos sintetizadores de Emerson e mais uma impressionante rufada de Palmer.

As partes novas são "The Sage", "Blues Variation" e "The Curse of Baba Yaga". No mesmo show no Newcastle Hall, o trio apresentou outra recriação para uma peça clássica, dessa feita "Nutrocker" (de Tchaikovsky, em uma versão feita por Tim Fowley), que também está presente no vinil Pictures at an Exhibition. A versão remasterizada em CD (lançada em 2001) traz como bônus "Pictures at an Exhibition" gravada em estúdio, apenas com o ELP interpretando os movimentos da versão original (sem "The Sage", "Blues Variation" e "The Curse of Baba Yaga").

Existe disponível em VHS uma apresentação do grupo Lyceum Theatre, em dezembro de 1970, a qual consta ser a primeira vez que "Pictures at an Exhibition" foi apresentada na íntegra, já com seus onze movimentos. Infelizmente, a versão em DVD cortou boa parte da apresentação, deixando apenas a suíte como única componente da mídia digital (se você encontrar a versão em VHS, não exite em vê-la).
PENTAX DIGITAL CAMERA


Capa dupla original de Pictures at an Exhibition, com os quadros cobertos (acima);

a capa interna, já com os quadros descobertos (abaixo)



A capa original de Pictures at an Exhibition foi construída no formato gatefold, apresentando seis quadros encobertos por um manto branco, cada quadro alusivo a um dos movimentos de "Pictures at an Exhibition". Quando o fã abre a capa, em sua parte interna encontra os quadros já descobertos, e consequentemente, as pinturas relativas para cada movimento ("The Gnome", "The Hut of Baba Yaga", The Old Castle", "The Sage", "The Curse of Baba Yaga" e "The Great Gates of Kiev"). Somente "Promenade" segue coberta, justamente por que ela não é alusiva a um quadro, e sim, ao caminho que guia para cada quadro.

O álbum  manteve o ELP como um dos mais vendidos na Inglaterra, alcançando a terceira posição em vendas naquele país (décimo nos Estados Unidos). Os nomes de Keith Emerson, Greg Lake e Carl Palmer estavam gravados para sempre na história da música, mas eles estavam apenas começando a sua caminhada para tornarem-se os gigantes que vieram a ser dois anos depois. Ainda havia mais um passo, como veremos daqui a quinze dias, com a Maravilhosa "The Endless Enigma".

2 comentários:

  1. Álbum maravilhoso. A primeira vez que ouvi e na falta de outro adjetivo para descrevê-lo, pensei comigo mesmo: "Isso é música clássica com esteróides". O ELP conseguiu fazer uma releitura incrível e uma das mais ousadas da história da música. Fico imaginando se o Mussorgsky tivesse vivo para ver e ouvir essa versão.

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  2. Provavelmente iria aplaudir. Já ouvir a versão do Kazuhito Yamashta? Não entendo como um único violão pode se tornar uma orquestra

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