quarta-feira, 29 de maio de 2013

Review Exclusivo: Yes (Porto Alegre, 26 de maio de 2013)





A noite de 26 de maio de 2013 ficará marcada para sempre no coração dos quase três mil presentes no Auditório Araújo Vianna em Porto Alegre. Nada mais nada menos que o grupo Yes, um dos principais nomes da história do rock progressivo e da música no geral, apresentou três de seus principais álbuns na íntegra, enlouquecendo e deixando muitos de boca-aberta com quase duas horas e meia de apresentação.


Com uma formação que é bastante discutível, já que o principal vocalista do grupo, Jon Anderson, foi substituído pelo desconhecido Benoît David, e mais recentemente, pelo jovem (e também desconhecido) Jon Davison, os britânicos desembarcaram na capital gaúcha para dar sequência na turnê 2013 World Tour, apresentando na íntegra os álbuns The Yes Album (1970), Close to the Edge (1972) e Going for the One (1977). Apesar de uma certa dúvida perante como seria a performance de Davison e também do tecladista Geoff Downes (que acompanhou o grupo em 1980, na turnê do menosprezado álbum Drama, e que voltou para o Yes em 2010), a certeza de que o esapetáculo por parte de Steve Howe (guitarra, lap steel, violões, mandolin, vocais), Chris Squire (baixo, vocais, harmônica) e Alan White (bateria), membros de formações clássicas do grupo deveria ser no mínimo excepcional. O que poucos esperavam é que o show em si fosse tão surpreendente.




Apocalypse, com Hique Gomez

Acredito que muitos como eu, ficaram bastante decepcionados com o último álbum ao vivo do grupo, In the Present - Live from Lyon (lançado em 2011). Apesar da boa recepção para Fly from Here, o último álbum de estúdio, lançado também em 2011, ao vivo o grupo pareceu abatido, com as canções mais lentas do que o normal, e alguns erros que jamais seriam cometidos no passado da banda. David saiu por problemas de saúde, e o grupo apresentou Davison, um baixista do desconhecido grupo Sky Cries Mary, com uma fisionomia que lembra bastante Roger Hodgson (Supertramp), que por acaso, também começou como baixista. O que viria dele era uma incógnita, que foi respondido com o clamor de aplausos encantados por um carisma incomum.

Antes do Yes, o palco do Araújo Vianna recebeu o grupo gáucho Apocalypse. Com trinta anos de carreira, era visível a emoção da banda, e para acalmarem seus ânimos, começaram a introdução do show com uma revisão para "Roundabout" (homenageando o head liner) e "Carmina Burana". O vocalista e flautista Gustavo Demarchi surgiu no meio do público, cantando em um estilo que lembra bastante Andre Matos, e assim, juntou-se aos demais integrantes para fazer uma retrospectiva na carreira desse importante grupo do progressivo brasileiro, e que infelizmente, é mais reconhecido fora de nosso país.

Durante uma hora de apresentação, uma mistura de Genesis, Yes e Emerson, Lake & Palmer surgiu nos alto falantes, apimentada com uma dose de modernismo de grupos mais recentes, como até mesmo o próprio Dream Theater. Houve também participação de Hique Gomez nos violinos e vocais na canção "Last Paradise", e o encerramento foi marcado por uma importante frase dita por Gustavo: "Apesar de toda a descrença, é possível SIM fazer progressivo no Brasil!". O público, apesar de pequeno, recebeu muito bem seus conterrâneos, que deixaram o palco com um gostinho de quero mais. Cabe aqui os parabéns para o marketing do grupo, que além de vender CDs e camisetas com o nome da banda em um preço muito acessível, também distribuiu gratuitamente um CD com canções do Box Set lançado pelo grupo para comemorar os 25 anos de carreira.

Encerrada a apresentação do Apocalypse, o Araújo começou a receber os fãs do Yes, que encheram o local em poucos minutos, enquanto o palco era arrumado para a sequência do espetáculo.


 Yes: Steve Howe, Geoff Downes, Jon Davison, Alan White e Chris Squire

Quando os acordes de encerramento da suíte "The Firebird" (original de Igor Stravinsky) começaram a surgir nas caixas de som, e imagens de diferentes fases do grupo surgisse no telão, o público começou a ovacionar. Era a deixa para que o quinteto adentrasse o recinto, fazendo-o com a imponência de "Close to the Edge". Ouvir essa incrível suíte ao vivo é uma aula de arte. Apesar de Howe ter cortado seu solo inicial em alguns segundos, tudo soou quase que perfeito em comparação com a versão original. A única exceção foi para White, que desde os anos 80, já não possui o mesmo vigor por detrás do bumbo, e tentar compará-lo com Bill Bruford (baterista que esteve nos cinco primeiro discos do Yes) é totalmente desqualificado e incabível.


Enquanto Howe gastava seus dedos em um solo maravilhoso, o telão apresentava a capa de Close to the Edge, o primeiro álbum a ser apresentado na íntegra, e além disso, também apresentava com letras garrafais o nome da canção que estava sendo apresentada, e também o nome de cada uma das partes da mesma. Jamais eu presenciei algo assim, Geralmente, o vocalista ou algum outro membro da banda diz: "A próxima música chama-se ...", mas o telão apresentando foi muito melhor, pois gravava nos nossos olhos aquilo que nossos ouvidos estavam interpretando.



Jon Davison

Encerrado o solo, a voz de Davison surgiu. Claro que as comparações com Anderson são inevitáveis, só que não vou titubear, o jovem mandou muito bem. Esforçando-se para ser fiel as notas originais de Anderson, Davison conseguiu conquistar a plateia com uma voz tão cristalina quanto a do venerado vocalista original, e emocionou principalmente durante "I Get Up, I Get Down", a qual, apesar do (raro) erro na entrada da letra, foi ovacionada. Downes não conseguiu reproduzir as linhas de Wakeman durante seu solo, mas também surpreendeu positivamente. Para quem acostumou-se a ouvi-lo com o Asia e o Buggles, ver ele pulando de um teclado para outro e fazendo solos muito velozes (apesar de não serem os mesmos) amenizou bastante a ausência do mago dos teclados.

O público aplaudia insanamente para cada mudança da suíte, e após seus vinte minutos, o Araújo Vianna inteiro (até mesmo os seguranças, que frequentemente viravam-se de frente para o palco para tentar entender o que estava acontecendo, e claro, voltavam seus rostos para a plateia com a boca aberta) apladiu em pé, com um sentimento de incredulidade perante o que tinha se passado, e então, Howe executou as primeiras notas de "And You And I", outra genial canção de Close to the Edge, e o álbum de 1972 foi concluído com "Siberian Khatru", tendo um show a parte por Howe, fazendo mais um grandioso solo.


Steve Howe (Geoff Downes ao fundo)

Davison fez uma breve saudação em português (muito bom por sinal), e passou a voz para Howe, que contou a história do próximo álbum a ser apresentado. Sempre com sua carranca, Howe contou que "O próximo álbum havia sido gravado na metada dos anos 70, na cidade de Montreux, e ele era baseado em algumas linhas de rock'n'roll, como essa daqui" e assim, soltou o riff "Going for the One" em sua lap steel, dando espaço para a apresentação do álbum de mesmo nome. Aqui, podemos perceber que a faixa-título ficou um pouco mais lenta que a original, o que atrapalhou um pouco principalmente na complicada sequência de palavras que encerra a mesma, mas nada de anormal.

Os fãs ficaram em silêncio para deixar Howe debulhar seu violão na linda "Turn of the Century", com Davison fazendo uma interpretação magistral, e "Parallels" agitou a casa novamente. Downes fez as deixas de Wakeman durante "Wonderous Stories", e virou-se em um polvo para recriar as complicadíssimas passagens de "Awaken".


Yes ao vivo

Essa Maravilha Prog foi o grande auge do show. Surgindo com o piano de Downes, os primeiros minutos foram uma viagem no tempo, guiada pelos vocais de Davison e pelos acordes viajantes de Howe e Downes. Ao explodir na sua parte central, Squire apareceu com o famoso baixo de três braços com o qual ele executa as diferentes passagens da suíte, e foi como que uma agulha picasse meu corpo e injetasse uma dose enorme de adrenalina. Ver esse momento, a dificuldade e concentração dos músicos para passarem nota por nota da versão original aos fãs, a trabalheira de Downes, Howe e Squire nos intrincados temas que servem como ponte entre uma estrofe e outra da letra, e claro, o majestoso trecho central, com Davison resgatando a harpa original de Anderson, e Downes levando-nos para uma viagem enigmática, entre nuvens, cerração e neblina saídos de alguma obra escrita por Marion Bradley, fez com que todos permanecessem calados, sem piscar, hipnotizados pela beleza e genialidade dos músicos. Uma obra prima, sem igual, e que eu fui abençoado por ter assistido sua exímia interpretação.

Ali, o mundo podia acabar, pois o ingresso havia sido pago com sobras. Mas ainda havia mais.


Howe, Downes e Squire


Agora, o mestre de cerimonias foi Squire. Dizendo "Vamos voltar aos psicodélicos anos 60, mais precisamente na Londres de 1969, quando entramos nos estúdios da Advison e saímos de lá com um álbum que começa mais ou menos assim" e então, o grupo soltou o riff de "Yours is No Disgrace", e fomos levados pela canção, com pesar apenas para o curto solo de Howe (obedecendo a versão original, e não estendendo-se como nas turnês de apresentação do grupo durante os anos 70 e 90).


Howe mostrou os sinais da idade ao sentar em uma cadeira, mas foi só aí que a idade apareceu, por que quando ele começou a tocar "The Clap", a casa caiu. Com uma habilidade única, ele agitou a plateia, e irritou-se com a vibração de alguns passadinhos, que assoviavam e gritavam de forma ridícula, e totalmente inválida. Lembrei-me de 1998, quando Howe, após "The Clap". passou um esporro geral na produção, e em um determinado momento, quando agrediu violentamente as cordas do violão, como um sinal de "Parem com esse barulho", visualizei novamente a "mijadeira", mas o cidadão em questão calou a boca e Howe encerrou tranquilo seu magistral solo, sendo ovacionado mais uma vez.


Yes interpretando "Going for the One"

"Starship Trooper" levou-nos pelo espaço junto da aeronave que dá nome a canção (e cuja imagem na capa do álbum Fragile, de 1971, permaneceu no telão durante um bom tempo), e Davison convidou o público para acompanhar com palmas "I've Seen All Good People". "A Venture" ficou um pouco fora do tempo original (culpa principalmente de White), e o show encerrou-se com "Perpetual Change"), uma paulada inexplicável, talvez a mais pesada canção que o Yes gravou no início de sua carreira.

O grupo agradeceu os aplausos e sem firular muito, mandou "Roundabout". Os fãs deixaram suas confortáveis cadeiras e foram para a frente do palco, assistir em pé e cantando junto o maior clássico da carreira dos britânicos. Davison foi muito simpático, acenando para todos que acenavam para ele, fazendo o sinal de V com os dedos, enquanto o som rolava sem a mesma velocidade da versão original, principalmente no trecho central da canção, mas ainda sim, cativando como há 40 anos atrás, quando foi lançada como faixa de abertura em Fragile. Obviamente, se o grupo quisesse continuar com "Cans and Brahms", "We Have Heaven", "South Side of the Sky", "Five Per Cent for Nothing", "Long Distance Runaround", "The Fish", "Mood for a Day" e "Heart of the Sunrise" (os fãs entenderão), e depois passear por Tales from Topographic Oceans e Relayer, nenhum de nós iria arredar o pé.




Davison, acenando para a câmera do baudomairon.blogspot.com

O quinteto despediu-se dos fãs, acenando e agradecendo. Sabiam que tinham feito um bom show, que na Porto Alegre, em termos de rock progressivo como música, não contando com cenários ou artefatos extra-palco, certamente foi o melhor show que eu já vi (bem melhor que o de 1998, feito pelo próprio Yes, ou o de Rick Wakeman ou o de Roger Waters no ano passado). Davison ainda ficou mais um pouco no palco, agradecendo em bom português, desejando saúde, paz, amor, prosperidade e harmonia, e confirmando uma imagem carismática, de um fã do grupo vivendo seu sonho, e entrando de cabeça nele (inclusive usando roupas adequadas para o movimento).

Não podemos comparar com o Yes da década de 70, fervendo em ideias e construindo dezenas de clássicos do rock progressivo, ou tão pouco ao início da década passada, quando ressurgiu das cinzas com uma formação fantástica, e acompanhado por uma orquestra, reviveu os clássicos da década de 70 com precisão cirúrgica.

Encerramento do show


O fato é que hoje e daqui há 50, 70, 90 anos, quando se falar de rock progressivo, pelo menos seis discos do Yes estarão entre os principais nas citações: The Yes Album, Fragile, Close to the Edge, Tales from Topographic Oceans, Relayer e Going for the One, e os meros mortais que estiveram no remodelado Araujo Vianna na noite do último dia 26 de maio puderam conferir na íntegra três deles, nota por nota, executados por geniais seres imortais.

Set list


1. Opening: Excerpts from "Firebird Suite"
2. Close to the Edge
3. And You And I
4. Siberian Khatru
5. Going for the One
6. Turn of the Century
7. Parallels
8. Wonderous Stories
9. Awaken
10. Yours is No Disgrace
11. The Clap
12. Starship Trooper
13. I've Seen All Good People
14. A Venture
15. Perpetual Change

Bis

16. Roundabout

2 comentários:

  1. Eu estava lá e foi mágico! Sou o baterista da Apocalypse

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    1. Que legal Rainer. Conta mais aí para nós. Como foram os bastidores? Conseguiu trocar uma ideia com eles? O show de vocês foi muito bom. Parabéns

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