domingo, 28 de setembro de 2014

Secos & Molhados



A história do Secos & Molhados começa no dia 28 de março de 1964, com a chegada de João Ricardo ao Brasil. Filho de pais portugueses, e sendo ele também português, o músico depara-se com um país que recém começava a engatinhar na Jovem Guarda, ficando fascinado por Roberto Carlos e Demétrio, além de outros artistas que acabaram o inspirando a seguir a carreira como músico. Meses depois, nasce o Secos & Molhados, tendo João Ricardo (violão de 12 corda, harmônica, voz), Pitoco (viola de 10 cordas) e uma constante formação na percussão. O nome Secos & Molhados surge em uma temporada de João com alguns amigos em Ubatuba. Naquele dia, ele percebeu um amigo escrevendo Secos & Molhados em uma folha de papel, o que deixou João intrigado. João comentou com os amigos que aquilo daria um bom nome de banda, e todo mundo caiu na gargalhada. Então, ele decidiu que esse seria o nome certo.

O trio passa a tocar com frequência no bar Kurtisso Negro, no bairro do Bexiga (São Paulo) destacando como principal novidade o fato de musicar poemas portugueses e brasileiros através da música, inspirado nos artistas Jograis de São Paulo, de Portugal. O grupo não durou muito tempo, por conta de João Ricardo não se sentir apto a ser o vocalista. João continuou trabalhando como jornalista no jornal Última Hora, do grupo folha, 

Ney Matogrosso, Marcelo Frias, João Ricardo e Gérson Conrad
Na sequência, veio Gerson Conrad, um amigo de João Ricardo que acabou entrando vagarosamente no projeto. Entre seu conflito com a faculdade e a banda, Gérson acabou largando os estudos e virou o segundo grande nome da banda. A dupla segue tocando No Kurtisso Negro, onde conhecem a compositora Luli, a qual se interessou pelo trabalho dos dois, e disse conhecer a pessoa certa para complementar a obra do Secos & Molhados. Eis então que surge a figura de Ney de Souza Pereira, mais conhecido como Ney Matogrosso.

Ney vinha de uma carreira como ator e crooner, cantando bastante MPB, e acabou se adaptando às músicas de Secos & Molhados, criando uma característica marcante para o som da banda, que é a mescla das vozes dele com a de João Ricardo e GérO trio se conhece no Rio de Janeiro, cidade onde residia Ney, e depois de alguns dias de ensaio, a dupla inicial retorna para São Paulo, trazendo com eles o novo integrante da banda.

Enquanto João fazia o papel de jornalista, Ney desempenhava seu papel de ator. Por sorte do destino, uma das principais peças que Ney havia interpretado no Rio de Janeiro foi montada em São Paulo, no caso Dom Chicote Mula Manca e Seu Fiel Companheiro  Zé Chupança, de Oscar Von Pfuhl. Para dirigir musicalmente a peça, o nome de Gérson é o escolhido. Na peça, Ney interpretava um espantalho, com muita maquiagem e uma máscara estranha, que chamava a atenção das crianças e dos adolescentes. Assim nasceu a ideia do trio usar maquiagens e fantasias para se apresentar, uma marca consagrada do Secos & Molhados.


João Ricardo, Ney Matogrosso, Moracy do Val e Gérson Conrad

A primeira apresentação ocorre na Casa de Badalação e Tédio, localizada no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, em dezembro de 1972. Ao mesmo tempo que o trio se apresentava, em uma sala ao lado tocavam John Flavin (guitarra), Willy Verdaguer (baixo) e Marcelo Frias (bateria), este ex-Beaty Boys, o grupo que acompanhou Caetano Veloso em seu álbum de 1968. Os músicos gostaram do que viram, e acabaram tornando-se a banda de apoio do Secos & Molhados.

Em uma das apresentações do grupo, o jornalista Moracy do Val, que trabalhava no Notícias Populares, também do grupo folha, aparece no local, assim como flautista Sérgio Rosadas Gripa e o pianista Emilio Carrera. Moracy conhecia o pessoal da gravadora Continental, e foi ele quem conseguiu o primeiro contrato do Secos & Molhados para o lançamento de seu primeiro LP.


A clássica estreia do Secos & Molhados

Em março de 1973, o trio, junto dos músicos citados, começa os ensaios para gravar o seu primeiro disco. Em apenas quinze dias de maio, no estúdio Prova, apenas em quatro canais, completam a gravação de Secos & Molhados, lançado oficialmente pela Continental em 06 de agosto de 1973.

A estreia do Secos & Molhados é uma aula de criatividade e inovadora musicalidade. Misturando elementos do rock com o folk e a MPB, e ainda musicando poemas de autores brasileiros e portugueses, Secos & Molhados tornou-se o disco mais vendido na indústria fonográfica brasileira até a data de seu lançamento, com nada mais do que 300 mil cópias em apenas dois meses, graças aos clássicos "Sangue Latino", "O Vira" e "Rosa de Hiroshima", com certeza a principal contribuição de Gérson ao grupo, ao musicar esse belíssimo poema de Vinícius de Moraes.


Secos & Molhados. Androginia ao vivo

A andrógina performance do quarteto, misturada com a excelência musical da banda de apoio, e a presença essencial de  Zé Rodrix (piano, ocarina, teclados), surpreendeu com composições épicas e a revelação do maior intérprete brasileiro de todos os tempos, Ney Matogrosso, nas emocionantes "Fala", inspirada em "Isn't it a Pity", de George Harrison, com o maravilhoso solo de sintetizador por Zé Rodrix, e "O Patrão Nosso de Cada Dia", com suas pitadas flower-power levadas por baixo, violão e intervenções de flauta. O que choca positivamente é a mescla de faixas essencialmente acústicas com outras puramente rock 'n' roll. Na parte acústica, temos o folk "Prece Cósmica", de Cassiano Ricardo, apresentando uma bonita passagem apenas com baixo e violino, agregando-se as tímidas vinhetas "El Rey" e "Rondó do Capitão", esta um poema de Manuel Bandeira, além da experimental "As Andorinhas".

No rock, sacolejamos o esqueleto com "Assim Assado", trazendo a guitarra lisérgica de John acompanhada por uma marcação nordestina, "Amor", influenciada por "Sweet Judy Blue Eyes", de Crosby, Stills & Nash, e "Mulher Barriguda", forte crítica as guerras e a ditadura no país. A primazia bluesy de "Primavera nos Dentes", com o trio entoando o poema do pai de João Ricardo, João Apolinário, é  a melhor faixa do LP, apresentando uma longa introdução instrumental e uma arrepiante performance vocal.


Sessão de fotos para a capa do primeiro álbum

O álbum acabou superando a marca do um milhão de cópias meses depois de seu lançamento, tornando-se representante fiel nas listas de principais discos do rock nacional. O quarto integrante da capa é Marcelo, que não ficou muito tempo na banda, já que ele precisou tocar em outros grupos ao mesmo tempo que participava da banda. Como o álbum demorou para sair, ele desistiu e foi seguir carreira como músico de estúdio, mas ficando eternizado em uma das mais emblemáticas capas do rock nacional.

A participação de Zé Rodrix  no Secos & Molhados também foi fundamental. Ele foi o cara que produziu o primeiro álbum da banda, em uma jogada fantástica de Moracy do Val. Na musicalização das canções do álbum, é possível ver o dedo de Zé Rodrix em diversas faixas.Vale a pena ressaltar a valiosa primeira impressão do álbum, na qual o nome de Ney está grifado errado, como Ney MOTOGROSSO, e não MATOGROSSO. Além disso, a quantidade de vinis vendidos era tamanha que, para dar conta no mercado, a Continental retirava discos de artistas que não haviam vendido consideravelmente, refundiam os mesmos e lançavam ele agora com o álbum Secos & Molhados.


Manchete da revista Popsom de 1973 sobre o lançamento de Secos & Molhados,
 destacando Zé Rodrix no álbum

"O Patrão Nosso de Cada Dia" e "Rondó do Capitão" possuem inspirações de Donovan, enquanto "Amor" possui referências para Crosby Stills & Nash, mais precisamente "Sweet Judy Blue Eyes". Em "O Vira", o acordeão é de Zé Rodrix, sendo que a mesma foi composta por Luli e João Ricardo antes mesmo do nascimento do Secos & Molhados. Rodrix também toca piano em diversas outras faixas do disco, com exceção de "Mulher Barriguda", que coube para Emilio. A letra de "Primavera nos Dentes" é um poema do pai de João Ricardo, João Apolinário Teixeira, "El Rey" foi construída totalmente sobre efeito do álcool, após João sair de uma festa e ouvir Gérson fazendo um exercício em seu violão, que acabou virando o riff da mesma.  Por fim, "Fala" foi inspirada em "Isn't it a Pity", de George Harrison.


No dia 09 de setembro daquele ano aparecem no primeiro programa “Fantástico” da rede Globo, virando um grande sucesso, que continuou crescendo três dias depois, quando abrem uma temporada de duas semanas no Teatro Itália, em São Paulo, enquanto o álbum alcançava a incrível marca de 300 mil cópias vendidas com pouco mais de um mês de lançamento, batendo os recordes de vendas de discos que existia até então (pertencentes a Roberto Carlos e Elis Regina). Em novembro, apresentam-se pela primeira vez no Rio de Janeiro, em um único show no Teatro Thereza Raquel”. O grande número de pessoas que compareceram ao local acabou causando alguns problemas, inclusive com interferência da polícia de choque para conter o assédio das mesmas. No fim de ano, fazem shows pelo Brasil, batendo vários recordes de público e encerrando 1973 com uma temporada no Teatro Treze de Maio, em São Paulo.


O polêmico Ao Vivo No Maracanãzinho,
lançado de forma independente por Gérson Conrad

No início de 1974, começam com uma série de apresentaões no Teatro Thereza Raquel, bem como gravações para a televisão. Como a busca por ingressos não parava de aumentar, em fevereiro fazem uma inesquecível apresentação para 30 mil pessoas no Ginásio Maracanãzinho, que foi lançada - de forma não oficial - em 1980, no álbum Ao Vivo no Maracanãzinho, onde podemos novamente comprovar a excelência musical da banda que acompanhava o também excelente trio vocal nas enlouquecedoras viagens instrumentais de "Mulher Barriguda", "Assim Assado" e "Primavera nos Dentes". Esse LP gerou muita polêmica, já que o mesmo foi feito por Gérson Conrad sem a autorização de João Ricardo, dando início a uma guerra de cobras e lagartos entre os dois, complementada por Ney, que permanece até hoje

Seguiu-se uma extensa turnê pelo Brasil e pelo exterior, tocando na TV em shows no México durante quinze dias. Entre abril e maio começam os ensaios do segundo álbum, seguida pela gravação do mesmo durante junho daquele ano, que é lançado em agosto com uma apresentação no Fantástico. Dias depois, devido a brigas internas e discussões sobre a liderança do grupo, fortemente associada ao nome de João Ricardo, o trio se separa-se pouco.


Segundo disco do grupo

Secos & Molhados tem como banda de apoio Willie Verdaguer (baixo), Jorge Omar (violões), John Flavin (guitarras, violões), Emilio Carreira (piano, órgão), Norival (bateria) e Sérgio Rosadas (flauta), considero este álbum superior ao seu antecessor. A banda está afiadíssima, como atesta a alucinante "Vôo", uma potência sonora exalada do baixão de Willie, que repete-se no hard-bluesy, mas com temperos brasileiros, "Angústia", com a guitarra de John exalando psicodelia, e no blues experimental "Toada & Rock & Mambo & Tango & etc.", repetindo por diversas vezes a mesma frase. Além disso, Ney está interpretando soberanamente.

As curtas faixas do primeiro álbum repetem-se em "O Doce E O Amargo", "Não: Não Digas Nada" e "Oh! Mulher Infiel", ambas apenas com Ney acompanhado por Omar (e Rosadas junto na primeira), ou ainda "Caixinha De Música de João", essa fazendo lindas vocalizações acompanhado pelo piano, e a acústica "Preto Velho", tendo João na voz principal. O grande sucesso do LP ficou por conta do rock "Flores Astrais", alegre e típica canção Secos & Molhados, levada por piano e vocalizações e destacando o slide de John, desta que foi posteriormente coverizada pelo RPM.


João, Ney e Gérson

Outro grandioso rock acabou quase completamente esquecido pelos xiitas, no caso a veloz "O Hierofante", lembrando "Mulher Barriguda", e com Ney e João dividindo os vocais principais. Complementando essas belezas musicais, o bluesão "Delírio", da qual Cazuza certamente bebeu na fonte para criar algumas de suas obras,  a angustiante "Medo Mulato", com um show de Emilio ao piano, e a escancarada influência flamenca na arrepiante "Tercer Mundo", tendo a participação de Triana Romero (castanholas), forte candidata a melhor do álbum, que infelizmente, pela baixa divulgação, acabou vendendo pouco e ganhando status de cult, apesar das qualidades sobressalientes de suas canções.

Após o desmanche, João Ricardo decidiu partir para uma carreira solo, lançando dois álbuns que não fizeram muito sucesso, João Ricardo (1975), e Da Boca Pra Fora (1976). Ney seguiu em carreira solo, lançando o psicodélico Água do Céu-Pássaro (1975) e consolidando-se como o principal intérprete da MPB no decorrer dos anos, com mais de 30 discos em sua Discografia, enquanto Gérson também lançou seu primeiro disco solo em 1975, ao lado de Zezé Motta, complementada por apenas mais um álbum, Rosto Marcado (1981).

Fracassado financeiramente, João ganha os direitos sobre o nome Secos & Molhados e resolve reviver o grupo. Para isso, convoca o guitarrista e vocalista Wander Taffo (que fez sucesso em carreira solo e também como fundador do Rádio Taxi, além de ser integrante da clássica formação do Made in Brazil), o baixista João Ascensão e o vocalista Lili Rodrigues. Com a participação de Gel Fernandes (bateria), Lazy (teclados) e Rubão (percussão), em maio de 1978, quatro anos após o fim prematuro da primeira formação do Secos & Molhados, a chama voltava a ser acesa. Porém a proposta era diferente.


O espetacular álbum de 1978

Apesar de seguir uma linha similar aos primeiros discos e de Lili ter uma voz tão aguda quanto a de Ney, João decidiu parar com a androginia, e, de cara limpa, lançou o excelente álbum Secos & Molhados (também conhecido como A Volta dos Secos & Molhados). O disco abre com um clássico. A gaita de João dá espaço para as vozes entoarem o nome da canção de abertura, "Que Fim Levaram Todas as Flores?", a qual foi um sucesso nacional, dando direito à banda de participar de inúmeros programas de televisão.

A semelhança com faixas como "Flores Astrais" e "Assim Assado" não pode ser evitada, e Lili mostra que estava na banda para substituir, e bem, Ney. Muita festa curti ao som dessa canção, onde 99% das pessoas achavam que o vocalista era o próprio Ney Matogrosso, mas não era, e isso já se torna evidente na faixa seguinte, "Lindeza", onde os violões introduzem a canção com o baixo característico das músicas mais rápidas dos primeiros álbuns, além de trazer um belo arranjo de cordas, o que era novidade no som dos Secos.

Segue uma canção totalmente diferente do que já havia sido feito pela banda. Após flertar com o blues em "Primavera nos Dentes", o flamenco em "Primer Mundo" e o fado de "O Vira", o Secos & Molhados invadia o funk, com uma bateria marcando o ritmo, seguida na sequência por uma ótima linha de baixo, guitarras e teclados, dando espaço para os vocais cantarem "De Mim Pra Você", uma das faixas mais dançantes da banda e que merece espaço em qualquer festa anos setenta que você pense em fazer, ao lado dos clássicos de Village People, Bee Gees, Gloria Gaynor entre outros.


João Ascensão, Wander Tosh, João Ricardo, Lili e Rubão

Após a sacudida no esqueleto de "De Mim Pra Você", temos a bela balada "Minha Namorada", onde Lili está fenomenal, mostrando sua simpatia (a qual contava nos créditos do álbum). O violão de 12 cordas de João leva a canção, que ainda trás um belo solo de Taffo (conhecido no álbum como Wander Tosh). O lado A encerra com a fraca "Anônimo Brasileiro", que apesar da bela melodia e do arranjo de cordas e metais, traz os vocais graves de João Ricardo, não combinando com o clima proposto na canção.

O lado B começa com "Última Lágrima", que lembra muito "Sangue Latino", principalmente pela levada do violão e do baixo. Segue "Insatisfação", uma pedrada na orelha de quem achava que o lado B seria lento, contando com as vocalizações dos três integrantes, com destaque maior para a voz de Lili. Temos aqui uma boa letra de João, bem auxiliada por uma sessão instrumental de teclados e guitarras. Os arranjos de cordas se fazem presente em "Oh! Canção Vulgar".


Secos & Molhados, ao vivo em 1978

Segue uma sessão acústica (antes mesmo dos acústicos terem sido inventados), com a belíssima "Como Eu, Como Tu". Com João Ricardo liderando as vozes, temos aqui uma das mais belas e comoventes letras da banda, a qual trata sobre a dor de uma pessoa que recorda os poucos momentos de um amor entre dois amigos que não deu certo. De chorar! A animada "Quadro Negro" resgata o clima leve do álbum, contando com boas participações dos integrantes nas vocalizações, que também possui João no vocal principal. Essa é uma canção perfeita para adolescentes cantarem em um luau.

Por fim, "Cobra Coral Indiana", introduzida pelo piano elétrico e baixos que lembram bastante "Flores Astrais". A pequena letra, narrando a história de milhares de brasileiros que entram e saem de filas enormes para pagar suas contas, dá espaço para um longo tema instrumental com cordas e guitarras, encerrando o álbum tão bem quanto os demais discos da banda, e revivendo os grandes momentos da fase 1973-1974.


Último álbum como um grupo

As flores já não cheiravam tão bem, e João acabou tendo diversos problemas com os integrantes dessa formação, encerrando mais uma vez a carreira do grupo e lançando seu terceiro trabalho solo, Musicar, em 1979. Em meados de 1980, por conta de ainda haver o contrato com a Polygram, João mais uma vez resgata o Secos & Molhados, contando agora com os irmãos Roberto Lampé (violão), César Lampé (voz) e Carlos Amantor (percussão), e lançando mais um álbum homônimo, o quarto na discografia da banda.

O disco segue a mesma linha do anterior, como "Muitas Pessoas" e Quantas Canções é Preciso Cantar", ambas com aquela levada a la "Que Fim Levaram Todas as Flores", destacando a voz aguda de César, e também a balada "Roído de Amor", muito similar as baladas do álbum de 1978. Porém, apresenta duas canções em que os quatro músicos participam da composição, no caso "Sem As Plumas, Numas", trazendo a harmônica e o baixo como destaques, e a sombria "Contudo", apresentando um belo trabalho de vocalizações e piano, o que acabou dando uma nova cara para a banda.


Roberto Lampé, João Ricardo, César Lampé e Carlos Amantor

As demais são canções que João havia criado mas não registrado anteriormente, e nelas temos os rocks genuinamente Secos & Molhados de "Pelos Dois Cantos da Boca", "Meu Coração Não Pode Parar" e "Pão João", sempre com muito baixo, guitarras e vocalizações ao melhor estilo Secos & Molhados, a pequena vinheta "Aja", relembrando as pequenas "El Rey" e "As Andorinhas", o jazz anos 30 de "Você Faz Amor Engraçado" e a pesadíssima "Homenzarrão", a qual possui uma letra bem agressiva, mostrando que nem só de doces e agrados vivia a cabeça de João.  

O álbum encerra-se com "Vira Safado", uma regravação para a mesma canção gravada por João em seu primeiro álbum solo, porém com um arranjo reggae.


A capa original do quarto álbum do grupo

Um detalhe interessante vai para a capa do álbum. Originalmente, ela seria uma imagem de João Ricardo tirando a máscara, mostrando que agora vinha um novo Secos & Molhados. Porém, a gravadora exigiu que a capa fosse feita com uma imagem dos quatro músicos, mas com um detalhe adicional, na capa da frente, o grupo aparece como um trio, para remeter ao trio de ouro Ney / Gérson / João, além da própria imagem ser em preto e branco para seguir a linha estética de grupos da New Wave que surgiam na época, principalmente Joy Division. Além disso, a versão que saiu na época está com uma rotação alterada em relação ao que foi gravado, e até hoje nunca foi corrigida em um lançamento em CD, mas é possível ouvir a versão original no site da banda.

O quarteto fez uma única apresentação ao vivo, que foi uma participação no programa Globo de Ouro, e João partiu para o exterior, tentando esquecer de vez a banda que o havia revelado e fugir das gravadoras, as quais ele passou a detestar.

Em 1986, João voltou ao Brasil, e começou uma temporada de shows no teatro João Caetano, em São Paulo, com a turnê "Em Conserto", tendo a participação especial do artista plástico Marco Antonio Lima. Pouco depois, volta aos estúdios e começa a gravar diversas canções. Em uma das noites de gravação, conhece Carlos Zapparolli Jr., apelidado Totô Braxil, e começa assim a renascer o Secos & Molhados. Com a participação de Edinho França (guitarra), Fernando (baixo) e Gilberto Ninho (bateria), voltam a fazer shows, com o espetáculo De Volta Para o Futuro, e assim, nasce o quinto álbum do grupo.

Secos & Molhados, agora como dupla

Com uma pequena reformulação, o Secos & Molhados volta com João e Braxil, além de Edinho, Ninho, Jean Eduardo (baixo) e Wilson (teclados), e com apoio da Rede Bandeirantes, lançam, em 1988, o oitentista A Volta do Gato Preto, o qual possui poucos momentos de inspiração. Passam tranquilamente o rock "Aquém-Mar", lembrando Rita Lee com Tutti Frutti, "Sem Rei Nem Rock", apresentando a voz grave de Totô, e a acústica "Habitante da Guiné", Por outro lado, apesar de musicalmente interessante, é complicado aceitar a voz de Totô e João durante "Eu Estou Fugindo de Casa", "Sangue de Barata" e "Estrábico Democrático".

Entre o bom e ruim, ficam "Sonho de Valsa: Dancei", destacando a presença da harmônica tradicional nas canções do grupo, "Aventurar", levada pelo agito do violão de João, e "Final Jam", uma mescla de três sucessos da fase Ney ("Assim Assado", "Flores Astrasis" e "O Vira"), sem muito a acrescentar perante as originais. Consideravelmente boas são a rápida "Armadilhas Com Vodu" e a bonita declaração de amor "Eu Amo Dizer Te Amo", apenas com João cantando acompanhado de seu violão. 



João Ricardo e Totô Braxil

É um disco que demorei a aceitar, e ainda hoje algumas canções não passam bem, mas perto de outras bandas da época, não é de todo desprezível. A capa faz uma alusão ao álbum de estreia, com João e Totô entre Secos & Molhados, assim como a estátua com a face de Ney derrubada sobre a mesa.

O grupo faz uma mini-temporada de quinze dias no Teatro Ipanema, no Rio de Janeiro. Entre 1989 e 1990, começam a ensaiar novas composições, mas Totô acaba descobrindo que está doente, e o projeto é abandonado. Até o final dos anos 90, João Ricardo ficou afastado da música, resolvendo voltar sozinho em 1999, carregando o nome Secos & Molhados e lançando o sexto álbum da banda, Teatro?.


Teatro?, Secos & Molhados somente com João Ricardo

Neste disco, João é o único membro da banda, tocando violões, harmônica, guitarra e percussão. Gravado em apenas uma noite, em comparação ao seu antecessor, Teatro? é um disco muito interessante, apesar de longe dos tempos áureos nos anos 70. Aproveitando-se de canções compostas nos anos 80 e 90, mas não lançadas anteriormente, João Ricardo acaba ousando, fazendo um disco bem diferente do esperado para os fãs, mas na visão de João, a representação de que o Secos & Molhados não precisava ser a mesma coisa o tempo todo.

Teatro? traz letras afiadíssimas, sendo "Sida", "Tom de Dó" e "Puta" as mais expressivas criações líricas desse álbum, com a primeira criticando os garotos que não usam camisinha para fazer sexo, a segunda apresentando diversas citações à canções do passado do grupo e a terceira falando sobre um homem apaixonado por uma "dama da noite". 


João Ricardo em 1999

Os momentos relevantes ficam para quando João solta a distorção na guitarra, empregadas nas faixas "Zanzibar", que poderia ficar perfeita com a participação de uma bateria e baixo, "Teatro?" e "Rosinha, A Vermelha", ambas emulando os tempos sagrados do BRock, e na pesada "Bola de Berlim", a melhor do álbum, fazendo uma alusão ao fato da liberdade dos sonhos João encontrou no Brasil, ao lado de "Dura Aquilo Que Passar Pelo Tempo Que Durar", com uma endoidecida participação da flauta e um tímido acompanhamento de baixo e percussão, que servem tranquilamente para mostrar o quão o álbum poderia ser ainda melhor com a participação de outros instrumentos além da guitarra e/ou do violão.

Há espaço para baladas comuns, mas não desprezíveis, através de "Louca de Pedra", "O Soldado E O Anjo", "Fios de Tempo", e rocks feitos para um luau, em "SMGBL" e vinheta "Sacaneou Animal". No geral são canções curtas, com uma sensação de festa de fim de semana bastante agradável, e que vale a audição mesmo que não constante, e quem sabe um dia, as canções desse álbum ganhe uma versão com grupo completo, pois suas qualidades são inegáveis.

João aproveitou o lançamento de Teatro? e criou o site www.secosemolhados.com, trazendo todas as histórias principais da carreira do Secos & Molhados, sem prender-se apenas nos anos de Ney Matogrosso, fugindo do que ele chama de "sistema" e contando o que para ele é a verdadeira história do grupo.


Memória Velha, revivendo canções do final dos anos 80

No ano seguinte, finalmente João consegue registrar oficialmente as canções compostas no período entre 1986 e 1990, no álbum Memória Velha. Mais da metade das canções já são velhas conhecidas dos que seguiram a carreira do Secos & Molhados pós-Ney Matogrosso, no caso "Sangue de Barata", rearranjada com um belíssimo trabalho de violão, "Sem Rei Nem Rock", apenas com a voz de João acompanhado por sua guitarra e vocalizações femininas, "Eu Amo Dizer Te Amo" e "Dura Aquilo Que Passar Pelo Tempo Que Durar", praticamente idênticas as versões originais, "Aventurar", praticamente uma nova canção, com João Ricardo acompanhado por um andamento alegre de violão, lembrando canções de artistas como Ivan Lins e Guilherme Arantes, "Tom de Dó", ganhando a inclusão de instrumentos como harmônica e percussão, além de vocalizações, e a bela "Sonho de Valsa: Dancei", apresentando João Ricardo ao piano, em uma versão melhor que a original.

Das novas canções, temos a dançante "Romântico Vício de Mel", com um solo de saxofone, outro poema do pai de João Ricardo entoando em "Os Portugueses Deixam a Língua nos Trópicos" declamado por João Ricardo  acompanhado por densas camadas de teclados, as extremamente anos 80 "Cantilena", recheada de sintetizadores, e "Foi Só Amor", uma balada totalmente anos 80, levada pela bateria eletrônica e um andamento simples. Outro bom disco, talvez até melhor que seu antecessor, e que também merece uma audição regular pelos fãs menos xiitas.

Em 2003, lança como João Ricardo Ouvido Nu, em comemoração aos 30 anos do primeiro álbum da banda, trazendo regravações para diversas canções da carreira do grupo, como "Sangue Latino", "Assim Assado", "Primavera Nos Dentes" e outras até então inéditas. João segue em carreira solo, lançando Puto (2007). Em 2008 sai um novo relançamento para Secos & Molhados, apresentando uma nova capa. Em 2011, surpreendendo fãs e imprensa, João anuncia o retorno do Secos & Molhados, ao lado de Daniel Iasbeck.


Nova dupla, agora com Daniel Iasbeck

Lançado em streaming pelo soundcloud em novembro de 2011, Chato-Boy é um trabalho muito ousado e fora do comum, já que consta de apenas uma única faixa com quase 30 minutos de duração, apresentando diversas passagens instrumentais em sua maioria próximas ao rock anos 70 e ao fusion, interpretadas por Daniel, que toca todos os instrumentos (piano, baixo, guitarra, bateria e teclados) intercaladas por poemas declamados por João Ricardo.

Da parte musical, os arranjos são bastante interessantes, mostrando que Daniel é talvez o melhor músico que passou pela banda desde Wander Taffo. Dos dez poemas escritos por João Ricardo, alguns exageram nos palavrões, mas são até que criativos em suas críticas e histórias. Não é um álbum que fica na memória, mas como complemento de uma discografia tão diversificada, vale a pena a aquisição, apesar de encontrar o CD físico, lançado em 2012, é bastante complicado.


Matéria sobre o lançamento de Meteórico Fenômeno

João segue na ativa, e talvez em breve, um novo lançamento sob o pseudônimo Secos & Molhados apareça por aí. Ney também segue sua carreira solo de bastante sucesso, e Gérson reapareceu nos últimos anos com o lançamento de seu livro Meteórico Fenômeno, onde acaba defendendo-se de diversas acusações e injustiças que João Ricardo acabou falando sobre ele e Ney pós o término da segunda formação da banda, mostrando que apesar de muitos quererem a reunião do trio, dificilmente isso ocorrerá novamente principalmente por conta das guerras de egos entre Ney, João e Gérson.

6 comentários:

  1. Adorei a matéria! Tenho o privilégio de possuir os três primeiros trabalhos do grupo, que ocupam lugar de honra em meu acervo de discos! Não conhecia os demais álbuns nem detalhes da história da banda, por isso agradeço esse belo artigo!

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  2. Obrigado meu caro Mad Lucas. Abraços

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  3. Parabéns pela matéria! Grande trabalho.

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  4. O guitarrista era Wander Taffo! Não Wander Tosh!
    https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Wander_Taffo

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  5. Ola Doni, sim é o Taffo. Mas na época ele se assinava Wander Tosh, vide a composição "Oh! Canção Vulgar"

    https://www.discogs.com/artist/1568774-Wander-Taffo

    Abraços

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